Decisão TJSC

Processo: 5000206-70.2019.8.24.0081

Recurso: recurso

Relator: Desembargador Substituto LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR

Órgão julgador: Turma, julgado em 16/8/2022, DJe de 24/8/2022).

Data do julgamento: 12 de novembro de 2025

Ementa

RECURSO – Documento:6882763 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 5000206-70.2019.8.24.0081/SC RELATOR: Desembargador Substituto LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR RELATÓRIO Por brevidade, adota-se o relatório da sentença, redigido nos seguintes termos: Trata-se de ação de cobrança ajuizada por TRANSPORTES TREMEA LTDA em face de GUINCHOS XAXIM LTDA, ambos devidamente qualificados. Aduziu o autor que as partes firmaram contrato de compra e venda do veículo Scania/P114GA 330, placas MLN0070, em 18/03/2014, pelo valor de R$ 135.000,00 mediante o pagamento de 27 parcelas mensais de R$ 5.000,00. A parte ré deixou de efetuar o pagamento das parcelas vencidas entre 20/06/2015 e 20/06/2016, no valor de R$ 65.000,00. O autor notificou a ré extrajudicialmente para o adimplemento das parcelas, a qual se manteve inerte. Considerando as parcelas vencidas e a multa contratual de 30%, requereu a cond...

(TJSC; Processo nº 5000206-70.2019.8.24.0081; Recurso: recurso; Relator: Desembargador Substituto LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR; Órgão julgador: Turma, julgado em 16/8/2022, DJe de 24/8/2022).; Data do Julgamento: 12 de novembro de 2025)

Texto completo da decisão

Documento:6882763 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 5000206-70.2019.8.24.0081/SC RELATOR: Desembargador Substituto LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR RELATÓRIO Por brevidade, adota-se o relatório da sentença, redigido nos seguintes termos: Trata-se de ação de cobrança ajuizada por TRANSPORTES TREMEA LTDA em face de GUINCHOS XAXIM LTDA, ambos devidamente qualificados. Aduziu o autor que as partes firmaram contrato de compra e venda do veículo Scania/P114GA 330, placas MLN0070, em 18/03/2014, pelo valor de R$ 135.000,00 mediante o pagamento de 27 parcelas mensais de R$ 5.000,00. A parte ré deixou de efetuar o pagamento das parcelas vencidas entre 20/06/2015 e 20/06/2016, no valor de R$ 65.000,00. O autor notificou a ré extrajudicialmente para o adimplemento das parcelas, a qual se manteve inerte. Considerando as parcelas vencidas e a multa contratual de 30%, requereu a condenação da parte ré ao pagamento de R$ 127.795,21.Fianlizou formulando os demais requerimentos de praxe e juntou documentos. [evento 1, INIC1] Audiência de conciliação inexitosa (ev. 20). Citada, a ré apresentou contestação no evento 23, PET1. Em sede preliminar, aduziu a carência de ação pela ausência de pretensão resistida. No mérito, afirmou que na época do negócio o valor do veículo pela tabela FIPE era de R$ 112.845,00, inferior ao valor ajustado de R$ 135.000,00. Após o negócio, em menos de 30 dias de uso, o veículo apresentou defeitos mecânicos e estruturais, incorrendo em uma despesa de R$ 26.000,00 para o conserto, além da desvalorização em razão de rachaduras. Asseverou a impossibilidade de cumulação de multa contratual com encargos da mora. Deduzidos os valores mencionados, além de serviços prestados, haveria um abatimento de R$ 47.601,00, e um saldo devedor de R$ 17.399,00, os quais seriam pagos mediante prestação de serviços. Diante desses fatos, requereu a improcedência da ação ou, alternativamente, a dedução do saldo devedor do valor de R$ 26.000,00 quanto às despesas realizadas no conserto do veículo e R$ 21.601,80 quanto a serviços prestados em favor da autora. Houve réplica (ev. 27). [evento 27, PET1] O feito foi saneado, ocasião em que afastada a preliminar, fixados os  pontos controvertidos, e deferida a produção de prova oral e documental (ev. 36) [evento 36, DESPADEC1] Audiência de instrução e julgamento com a oitiva das seguintes testemunhas: Edson Luiz Bianchi, Gilmar Pastorio, Rudinei Antônio Geremia, Flávio Junior Bressan (evs. 65 e 66). Alegações finais nos evs. 69 e 74 [evento 69, ALEGAÇÕES1 e evento 74, PET1] É o breve relatório. A ele acrescenta-se que o pedido foi parcialmente acolhido, nos seguintes termos: Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais, extinguindo o processo com resolução do mérito, na forma do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para: a) CONDENAR a parte ré ao pagamento de R$ 65.000,00 (sessenta e cinco mil reais), corrigidos monetariamente pelo INPC e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, ambos a partir de cada vencimento; b) RECONHECER a dedução dos valores relativos aos danos por vícios ocultos, no montante de R$ 26.000,000 (vinte e seis mil reais), corrigidos monetariamente pelo INPC e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, ambos a partir de cada desembolso pelo réu; c) RECONHECER a dedução dos valores relativos a serviços prestados pela parte ré à autora, no valor de R$ 11.318,40 (onze mil trezentos e dezoito reais e quarenta centavos), corrigidos monetariamente pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, a partir de cada data anotada pela prestação do serviço; d) RECONHECER a dedução dos valores relativos à depreciação do veículo pelas rachaduras na cabine, no valor de R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais), corrigidos monetariamente pelo INPC a partir do evento danoso (data do negócio de compra e venda), acrescido de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação (art. 405 do Código Civil). Diante da sucumbência recíproca não equivalente, condeno a autora ao pagamento de 80% das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador do réu em 10% do benefício econômico auferido pelo réu (valores a serem deduzidos da condenação) na forma do art. 85, § 2º do CPC. Condeno a parte ré ao pagamento de 20% das custas processuais e honorários advocatícios no importe correspondente a 10% (dez por cento) do valor da condenação, desta deduzidos os valores de abatimento (alíneas 'b', 'c', 'd' supra), na forma do art. 85, §2º do CPC (evento 77, SENT1). A parte autora, irresignada, interpôs o presente recurso de apelação. Sustentou, em preliminar:  a) a decadência do direito da apelada em pleitear abatimento do preço por vícios ocultos e depreciação do veículo, tendo em vista o transcurso do prazo de 180 dias previsto no artigo 445 do Código Civil; b) a impossibilidade de conhecimento dos pedidos formulados em contestação diante da inexistência de reconvenção e inadequação da via eleita; e c) a prescrição da pretensão relativa aos serviços de guincho, nos termos do artigo 206, § 3º, incisos IV e V, do Código Civil. No mérito, defendeu d) o afastamento das deduções reconhecidas na sentença; e e) a aplicação da multa contratual, conforme previsto na cláusula 6ª do contrato (evento 87, APELAÇÃO1). Contrarrazões no evento 101, CONTRAZAP1. É o relatório. VOTO   1 – Admissibilidade O recurso deve ser conhecido, uma vez que tempestivo e presentes os demais requisitos de admissibilidade. 2 – Pedidos efetuados em contestação - Não conhecimento de ofício - Sentença cassada em parte Não obstante a questão da inadequação da formulação de pedidos em contestação não tenha sido objeto da réplica (evento 27, PET1), não há impedimento para o enfrentamento da questão, pois o erro de procedimento é matéria que deve ser conhecida inclusive de ofício. Trata-se de ação por meio da qual a parte autora busca receber o pagamento do valor inadimplido de contrato de compra e venda de veículo. Na contestação de evento 23, PET1, a parte ré reconheceu a existência da dívida, mas argumentou que o veículo possuía vício oculto, de modo que o valor do conserto dos defeitos no veículo devem ser descontados do débito. Aduziu, também, que teria sido convencionado entre as partes que, "como a empresa autora utilizava-se de serviços de transporte e guincho, parte do débito seria abatido com a prestação de serviços". Logo, defendeu o abatimento do valor de R$ 47.601,00 (quarenta e sete mil seiscentos e um reais) do total do montante pleiteado pelo autor. Sabe-se que, na contestação, em regra, não é permitido ao réu formular pretensões – pedidos – para além da defesa dos fatos extintivos, impeditivos ou modificativos do direito alegado pelo autor. Nas palavras de Cassio Scarpinella Bueno, "o réu, ao contestar, quer afastar a pretensão do autor; não quer se sujeitar ao pedido do autor e à tutela jurisdicional pretendida por ele. Quando reconvém, o réu passa a aspirar algo que vai além da tutela jurisdicional que obterá caso a sua defesa seja acolhida com a rejeição do pedido formulado pelo autor" (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. 8. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022, p.794).  Nos termos da jurisprudência do STJ, "a disciplina processual civil é estruturada de modo que o réu, citado para apresentar resposta ao pedido do autor, querendo formular-lhe pleito adverso, somente o possa fazer por meio do ajuizamento da reconvenção; na contestação, como se diz, não cabe a formulação de pedido, porquanto, por seu intermédio, a parte ré deve apenas se defender da pretensão da parte autora, resistindo, pelos meios ao seu alcance, à procedência de sua postulação, mas não lhe é permitida a dedução de pedido, ainda que tenha direito à correspondente prestação" (STJ, EREsp: 1284814 PR 2013/0152496-0, Relator.: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 18/12/2013, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 06/02/2014). Acerca da inadmissibilidade da formulação de pedidos em contestação, esta Corte já decidiu: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA PELO RITO ORDINÁRIO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA RÉ. MÉRITO RECURSAL. TESE DE IMPOSSIBILIDADE DE DECLARAÇÃO DE REVELIA. DECISÃO QUE JÁ HAVIA RECEBIDO A PETIÇÃO NOMINADA "EMBARGOS À EXECUÇÃO" COMO SE CONTESTAÇÃO FOSSE. ACOLHIMENTO. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS E DO ACESSO À JUSTIÇA. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 3º E 277 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC) E ART. 5º, XXXV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SENTENÇA REFORMADA. DESNECESSIDADE DE RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. APLICAÇÃO DA TEORIA DA CAUSA MADURA. ART. 1.013, § 3º, DO CPC. PARTE RÉ QUE PRETENDEU ANÁLISE DE PEDIDOS REVISIONAIS EM CONTESTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AÇÃO DE COBRANÇA QUE NÃO POSSUI CARÁTER DÚPLICE. NECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DE RECONVENÇÃO (ART. 343 DO CPC). RECONVENÇÃO É AÇÃO AUTÔNOMA QUE DEVE PREENCHER TODOS OS REQUISITOS ESTIPULADOS PARA O AJUIZAMENTO DE DEMANDAS. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE DOS DEMAIS PEDIDOS. SUSPENSÃO DO FEITO ATÉ A CITAÇÃO DA FIADORA. DISCUSSÃO DESNECESSÁRIA. PARTE QUE JÁ FOI CITADA NOS AUTOS. PRESCRIÇÃO. TESE AFASTADA. REVISÃO DE CLÁUSULAS ABUSIVAS À QUAL SE APLICA O PRAZO DECENAL PREVISTO NO ART. 205 DO CÓDIGO CIVIL (CC). PARTES RÉS QUE NÃO DEMONSTRARAM FATOS MODIFICATIVOS, IMPEDITIVOS OU EXTINTIVOS DO DIREITO DO AUTOR (ART. 373, INC. II, DO CPC). AÇÃO DE COBRANÇA PROCEDENTE. HONORÁRIOS RECURSAIS. INVIABILIDADE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. (TJSC, Apelação n. 0300293-25.2014.8.24.0045, do , rel. Eliza Maria Strapazzon, Primeira Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos, j. 24-10-2024- sem destaques no original). No caso concreto, verifica-se que a contestação apresentada pela parte apelada contém pedidos que deveriam ter sido formulados em reconvenção. A alegação de existência de vício oculto e o pedido de indenização pelo desgaste do bem não podem ser admitidos como mera tese de defesa, pois, em verdade, configuram pedido de condenação do autor ao pagamento de indenização pelos danos materiais suportados em decorrência da constatação de vícios no veículo, pretensões que são autônomas, com fundamentos fáticos e jurídicos próprios.  Desta forma, quanto a estes pedidos, não haveria como conhecer da contestação, de modo que a sentença que reconheceu a compensação dos valores, porque incorreu em erro de procedimento, deve ser parcialmente cassada, afastando-se os seguintes provimentos: b) RECONHECER a dedução dos valores relativos aos danos por vícios ocultos, no montante de R$ 26.000,000 (vinte e seis mil reais), corrigidos monetariamente pelo INPC e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, ambos a partir de cada desembolso pelo réu; d) RECONHECER a dedução dos valores relativos à depreciação do veículo pelas rachaduras na cabine, no valor de R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais), corrigidos monetariamente pelo INPC a partir do evento danoso (data do negócio de compra e venda), acrescido de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação (art. 405 do Código Civil). Cassada a sentença nestes pontos, o recurso de apelação perde objeto no que diz respeito ao pedido de reconhecimento de decadência do direito da apelada em pleitear abatimento do preço por vícios ocultos e ao pedido de afastamento das deduções reconhecidas na sentença referentes ao vício oculto e à depreciação do bem. 3 – Conhecimento da contestação quanto à compensação – Adequação da via eleita  Não obstante a parte apelante afirme que foi utilizada a via inadequada para pleitear a compensação com a dívida decorrente de prestação de serviços, neste caso a tese aventada em contestação foi acertadamente conhecida pela sentença.  Nos termos da jurisprudência do Superior , rel. Gladys Afonso, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 22-04-2025). No presente caso, o contrato firmado entre as partes previa o seguinte (evento 1, CONTR5):   Da análise dos autos, observa-se que é incontroverso o inadimplemento da parte ré quanto às parcelas de junho de 2015 a junho de 2016, totalizando um ano de atraso no pagamento, o que atrai a aplicação da cláusula penal.  Destaca-se que não há que se falar em ocorrência de surrectio no presente caso em razão de suposto acordo de pagamento através de prestação de serviços. Acerca do instituto, convém transcrever as lições de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald: A supressio é a situação do direito que deixou de ser exercitado em determinada circunstância e não mais possa sê-lo por, de outra forma, contrariar a boa-fé. Seria um retardamento desleal no exercício do direito, que, caso exercitado, geraria uma situação de desequilíbrio inadmissível entre as partes, pois a abstenção na realização do negócio cria na contraparte a representação de que esse direito não mais será atuado. Em suma, a chave da supressio está na tutela da confiança da contraparte e na situação de aparência que a iludiu perante o não exercício do direito. [...] Já na surrectio, ○ exercício continuado de uma situação jurídica ao arrepio do convencionado ou do ordenamento implica nova fonte de direito subjetivo, estabilizando-se tal situação para o futuro. Supressio e surrectio são dois lados de uma mesma moeda: naquela ocorre a liberação do beneficiário; nesta, a aquisição de um direito subjetivo em razão do comportamento continuado. Em ambas preside a confiança, seja pela fé no não exercício superveniente do direito da contraparte, seja pelo credo na excelência do seu próprio direito. (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: contratos. 6. ed. rev., e atual. Salvador: Juspodivm, 2016. pág. 206). Não há prova de que foi convencionado entre as partes o pagamento da dívida mediante prestação de serviços, porquanto o primeiro documento referente à prestação de serviços é datado de setembro de 2016, ou seja, passado mais de um ano de atraso das parcelas. Além disto, não há nos referidos documentos (evento 23, COMP5) qualquer elemento os relacionando com o contrato de compra e venda objeto dos autos. Destaca-se, também, que a parte apelada fundamentou a sua tese de inaplicabilidade da multa contratual somente na alegação de que "não houve inadimplência contratual, uma vez que os defeitos surgidos no veículo devem ser descontados do débito". Prejudicada a análise da pretensão de reconhecimento do vício oculto pelos motivos expostos anteriormente, não há motivos para afastar a incidência da cláusula penal. Contudo, a multa fixada no contrato deve ser reduzida, de ofício, em conformidade com o art. 413 do Código Civil: Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio. Com efeito, "o abrandamento do valor da cláusula penal em caso de adimplemento parcial é norma cogente e de ordem pública, consistindo em dever do juiz e direito do devedor a aplicação dos princípios da função social do contrato, da boa-fé objetiva e do equilíbrio econômico entre as prestações, os quais convivem harmonicamente com a autonomia da vontade e o princípio pacta sunt servanda (REsp 1.898.738/SP, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, DJe de 26/3/2021)" (REsp n. 1.888.028/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 16/8/2022, DJe de 24/8/2022). Sobre o assunto, extrai-se da doutrina: Cláusula penal abusiva. Trata-se de matéria de ordem pública, que pode e deve ser conhecida a qualquer tempo e grau de jurisdição. O CC 413 dispõe que a cláusula penal deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio No caso dos autos, a multa estabelecida em cláusula contratual é superior até mesmo ao débito principal, em ofensa ao CC 412. A manutenção da multa no patamar ajustado implicaria enriquecimento sem causa do exequente, em ofensa aos princípios da boa-fé e da função social do contrato. Correta, portanto, a redução aplicada pelo magistrado de primeiro grau, para 12% do valor da dívida, sob pena de não ser alcançada a finalidade da cláusula penal, a qual constitui pré--fixação de perdas e danos (TJSP, 34ª CâmDirPriv, Ap 9174031-31.2009.8.26.0000, rel. Des. Gomes Varjão, j. 16.4.2012) (Código Civil comentado [livro eletrônico] / Nelson Nery Junior, Rosa Maria de Andrade Nery. -- 4. ed. -- São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2022. p. RL-2.64). O contrato foi firmado em 03/2014 (evento 1, CONTR5) e previa o pagamento de 27 parcelas mensais de R$ 5.000,00. Observa-se que a parte ré efetuou o pagamento regular das parcelas até 06/2015, ou seja, por mais de um ano da assinatura da avença.  Houve, portanto, cumprimento parcial do contrato pela parte ré, de modo que a multa fixada comporta redução de 30% para 15% (quinze por cento) do valor do bem. Desta forma, o recurso comporta parcial provimento para condenar a parte ré ao pagamento de multa contratual no importe de 15% (quinze por cento) do valor do bem/contrato, corrigida a partir da data do descumprimento contratual (Súmula n. 43 do STJ), ou seja, do vencimento de cada parcela, e acrescida de juros de mora a partir da citação. Quantos aos consectários legais, nos casos como o presente em que não há prévia convenção entre as partes, em atenção à tese firmada no Tema 1368/STJ e à orientação jurisprudencial pacífica no sentido de que a taxa Selic abrange, em sua composição, juros de mora e correção monetária: a) a correção monetária, quando incidente de forma isolada, deve ser calculada com base no INPC (Provimento CGJ n. 13/1995, revogado pelo Provimento CGJ n. 24/2024) até a entrada em vigor do parágrafo único do artigo 389 do CC/02 (introduzido pela Lei n. 14.905/2024) e, a partir de 30/08/2024, com base no IPCA; b) os juros de mora, quando incidentes de forma isolada, devem ser calculados à taxa de 6% ao ano (art. 1.062 do CC/1916) e, após a entrada em vigor do CC/02 (em 18/03/2016, segundo Enunciado administrativo n. 1 do STJ), com base na taxa legal, correspondente à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – Selic deduzido o IPCA (art. 406 do CC/02 – divulgada pelo BCB e disponível na denominada "calculadora do cidadão", aqui); e c) para o período de incidência concomitante de correção monetária e juros de mora, a dívida deve ser acrescida apenas da taxa Selic, observada a regra do § 3º do artigo 406 do CC/02. Neste caso, a correção monetária, incidente desde a data do descumprimento contratual (Súmula n. 43/STJ), deve ser calculada com base no INPC até a data da citação (mora ex persona – art. 405 do CC/02), a partir de quando, incidirá apenas a taxa Selic. 5 – Ônus de sucumbência Com a reforma da sentença, a readequação da sucumbência é medida que se impõe. Já considerada a prestação jurisdicional deste grau de jurisdição, constata-se que a parte autora foi vitoriosa em relação ao pedido de condenação ao pagamento do valor inadimplido do contrato, bem como em relação ao pedido de condenação ao pagamento da multa contratual.  A redução da cláusula penal, ainda que de ofício, pressupõe a sucumbência recíproca entre as partes.   Desta forma, diante da sucumbência recíproca e conforme a proporção entre vitórias e derrotas, mostra-se adequado condenar as partes ao pagamento das custas processuais, na proporção de 30% para a autora e de 70% para a parte ré, nos termos do artigo 86 do CPC. Os honorários de sucumbência, em atenção ao Tema 1076/STJ, devem ser fixados em 20% (vinte por cento) do valor atualizado da condenação (incluídos seus consectários legais), nos termos do artigo 85, § 2º, do CPC, divididos na mesma proporção das custas. Anote-se que sobre o resultado não há acréscimo, "pois, ainda que de forma reflexa, a correção monetária e os juros moratórios já incidem no cálculo da condenação ou do proveito econômico, de modo que a determinação de novos juros de mora sobre a parcela dos honorários configuraria bis in idem" (AgInt nos EDcl no REsp n. 2.085.706/SC, relator Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, julgado em 27/5/2024, DJe de 29/5/2024).  Os montantes remuneram adequadamente o tempo e o trabalho despendido pelos patronos das partes, levando-se em conta a natureza da presente ação, cuja complexidade não excede os parâmetros da normalidade, o fato de que se trata de processo eletrônico e, portanto, não exige deslocamentos reiterados, bem como o tempo de duração do processo. A propósito, vale esclarecer que o rateio dos honorários em casos como o presente não representa desrespeito ao limite mínimo legal e nem ao Tema 1076/STJ, conforme jurisprudência do próprio Superior TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 5000206-70.2019.8.24.0081/SC RELATOR: Desembargador Substituto LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR EMENTA DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE VEÍCULO. PEDIDOS RECONVENCIONAIS EM CONTESTAÇÃO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. COMPENSAÇÃO DE DÍVIDA. VIA ADEQUADA. precedentes do stj. MULTA CONTRATUAL. incidência. REDUÇÃO DE OFÍCIO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta contra sentença que julgou parcialmente procedente ação de cobrança de parcelas inadimplidas de contrato de compra e venda de veículo, reconhecendo deduções por vícios ocultos, depreciação do bem e prestação de serviços, mas afastando a aplicação de multa contratual. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão consistem em: (i) saber se é adequada a via da contestação para formular pedidos de compensação por vícios ocultos e depreciação do bem; (ii) saber se é adequada a alegação de compensação de dívida decorrente de prestação de serviços em contestação; (iii) saber se decaiu o direito de pleitear abatimento da condenação por existência de vícios ocultos; (iv) saber se há prescrição da pretensão relativa aos serviços de guincho; e (v) saber se é devida a aplicação da multa contratual prevista no contrato. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Na contestação, por regra, não é permitido ao réu formular pedidos para além da defesa e da demonstração dos fatos impeditivos, modificativos e extintivos do direito do autor. A pretensão de descontar valores atinentes ao alegado vício oculto e ao desgaste do bem configuram, em verdade, pedidos condenatórios que deveriam ter sido formulados por meio de reconvenção. Reconhecida a inadequação da contestação para a formulação destes pedidos, deve-se cassar a correspondente condenação imposta ao autor pela sentença, prejudicada a apelação quantos aos temas a ela relacionados. 4. A compensação, por sua vez, pode ser alegada em contestação, como forma de justificar o não pagamento do valor cobrado ou sua redução, desde que se trate de dívida líquida, vencida e de coisa fungível, conforme o art. 369 do CC, como ocorre no presente caso no tocante aos serviços de guincho prestados à parte autora e comprovados por meio de ordens de serviço. Precedentes do STJ. No mais, não há falar em prescrição, pois, tratando-se de dívida líquida em instrumento particular, aplica-se o prazo prescricional quinquenal disposto no art. 206, § 5º, I, do CC.  5. Configurado o inadimplemento parcial da obrigação, incide a cláusula penal prevista no contrato, nos termos dos arts. 408 a 411 do Código Civil. Em caso de cumprimento parcial da obrigação, impõe-se a redução equitativa da cláusula penal, conforme determina o art. 413 do Código Civil, sendo razoável sua fixação em 15% do valor do contrato. IV. DISPOSITIVO 6. Recurso conhecido em parte e parcialmente provido. Sentença parcialmente cassada para afastar as deduções referentes ao vício oculto e à depreciação do bem. Condenação da parte ré ao pagamento de multa contratual, reduzida de ofício. Sem honorários recursais em razão da redistribuição da sucumbência. Dispositivos relevantes citados: CC, arts. 369, 405, 412 e 413; CPC, arts. 85, 86, 343, 373 e 487. Jurisprudência relevante citada: STJ, EREsp 1.284.814/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, j. 18.12.2013; STJ, REsp 2.000.288/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 25.10.2022; STJ, REsp 1.736.452/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 24.11.2020; STJ, Súmula nº 43. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos do decidiu, por unanimidade, a) cassar, em parte, a sentença, afastando a dedução dos valores referentes ao vício oculto e à depreciação do bem; b) conhecer em parte do recurso e, nesta, dar-lhe parcial provimento para condenar a parte ré ao pagamento de multa no importe de 15% (quinze por cento) do valor do contrato, corrigida a partir da data do descumprimento contratual e acrescida de juros de mora a partir da citação, conforme os índices estabelecidos no voto; e c) redistribuir o ônus de sucumbência, condenando ambas as partes ao pagamento das custas processuais, na proporção de 30% para a parte autora e 70% para a parte ré, e ao pagamento de honorários advocatícios, estes fixados em 20% (vinte por cento) do valor atualizado da condenação (incluídos seus consectários legais), divididos na mesma proporção das custas, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Florianópolis, 12 de novembro de 2025. assinado por LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR, Desembargador Substituto, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6882764v6 e do código CRC 10aaa967. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR Data e Hora: 12/11/2025, às 19:30:25     5000206-70.2019.8.24.0081 6882764 .V6 Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:13:31. Identificações de pessoas físicas foram ocultadas Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 11/11/2025 A 18/11/2025 Apelação Nº 5000206-70.2019.8.24.0081/SC RELATOR: Desembargador Substituto LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR PRESIDENTE: Desembargador MARCOS FEY PROBST PROCURADOR(A): MONIKA PABST Certifico que este processo foi incluído como item 54 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 27/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 11/11/2025 às 00:00 e encerrada em 12/11/2025 às 16:06. Certifico que a 3ª Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão: A 3ª CÂMARA ESPECIAL DE ENFRENTAMENTO DE ACERVOS DECIDIU, POR UNANIMIDADE, A) CASSAR, EM PARTE, A SENTENÇA, AFASTANDO A DEDUÇÃO DOS VALORES REFERENTES AO VÍCIO OCULTO E À DEPRECIAÇÃO DO BEM; B) CONHECER EM PARTE DO RECURSO E, NESTA, DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO PARA CONDENAR A PARTE RÉ AO PAGAMENTO DE MULTA NO IMPORTE DE 15% (QUINZE POR CENTO) DO VALOR DO CONTRATO, CORRIGIDA A PARTIR DA DATA DO DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL E ACRESCIDA DE JUROS DE MORA A PARTIR DA CITAÇÃO, CONFORME OS ÍNDICES ESTABELECIDOS NO VOTO; E C) REDISTRIBUIR O ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA, CONDENANDO AMBAS AS PARTES AO PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS, NA PROPORÇÃO DE 30% PARA A PARTE AUTORA E 70% PARA A PARTE RÉ, E AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, ESTES FIXADOS EM 20% (VINTE POR CENTO) DO VALOR ATUALIZADO DA CONDENAÇÃO (INCLUÍDOS SEUS CONSECTÁRIOS LEGAIS), DIVIDIDOS NA MESMA PROPORÇÃO DAS CUSTAS. RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Substituto LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR Votante: Desembargador Substituto LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR Votante: Desembargador Substituto GUSTAVO HENRIQUE ARACHESKI Votante: Desembargador MARCOS FEY PROBST CLEIDE BRANDT NUNES Secretária Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:13:31. Identificações de pessoas físicas foram ocultadas